Vem aí a inflação. Onde devo investir?

A inflação delapida o património.

14 de janeiro, 2022
Vem aí a inflação. Onde devo investir?
A inflação delapida o património. A defesa do aforrador e/ou investidor passa por encontrar soluções que igualem ou superem a erosão do dinheiro. Para quem é aforrador a solução pode passar pelas aplicações de risco ou, então, voltar ao já esquecido depósito a prazo.
A forma de reação das autoridades monetárias passa pelo aperto da política monetária e isso já está a acontecer. A Reserva Federal norte-americana vai acelerar o ritmo de retirada gradual de estímulos, o famoso tapering, e sinalizou a possibilidade de três aumentos da taxa de juro de referência. O Banco Central Europeu aposta num cenário diferente e acredita numa subida da inflação no primeiro semestre e um suavizar dos preços na segunda metade do ano. No entanto, o governador do banco central da Letónia, Martins kazaks, afirmou há uns dias que o BCE está preparado para todos os cenários, e mais recentemente o vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, dizia que a inflação na zona euro “não é transitória, como estimavam as previsões há alguns meses”.

Num recente comentário relativo à colocação de Obrigações do Tesouro pelo IGCP, Filipe Silva, diretor de Investimento do Banco Carregosa afirmava que “uma inflação persistente, elevados preços da energia, interrupção da cadeia de abastecimento e os efeitos da nova variante do vírus” são fatores que levaram a uma subida generalizada dos prémios de risco. No entanto, o consensus diz-nos que a haver subida da taxa de juro diretora, tal irá acontecer no início de 2023. Mas com o eventual aperto da política monetária europeia, ou seja, com a subida dos juros para contrariar o ciclo inflacionista o que irá acontecer aos meus investimentos e quais os melhores instrumentos para me defender?

Para responder vamos por cenários daquilo que se espera de um agravamento da inflação e de uma consequente subida dos juros. A intensidade do tapering, ou seja, da retirada de estímulos, alterando a política monetária de acomodatícia para restritiva, irá ditar a orientação dos mercados, enquanto a intensidade de subida dos juros irá orientar as soluções de proteção que os investidores irão escolher.

A primeira questão que se coloca é perceber se no mercado existem instrumentos com ausência de risco ou com risco controlado que permitam ganhos anuais iguais ou superiores à inflação. O INE divulgou o valor final de inflação média em Portugal para 2021 que se situou em 1,3%, depois de previsões de 0,9% (em dezembro, a variação homóloga da taxa de inflação portuguesa foi estimada nos 2,8%),e se olharmos para instrumentos financeiros como os depósitos a prazo tradicionais constata-se que nem sequer as propostas para depósitos de prazos curtos e que têm a função de captação de clientes conseguem superar o valor da inflação previsto. E o mesmo acontece com depósitos estruturados com garantia de capital e em que o resultado final vai depender de um subjacente que geralmente é ações. Aqui o risco é perder exatamente o valor da erosão. E quando falamos em aplicações em produtos do Estado, nomeadamente Certificados do Tesouro, o resultado não é muito diferente.

Então vamos analisar. Como vimos a escolha dos ativos de defesa depende do nível de inflação. Explica José Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, que se a inflação for transversal “são os ativos reais, imobiliário residencial, ações de empresas não cíclicas, como as utilities da saúde e isto porque são atividades pouco afetadas pela subida dos preços”. Acrescenta que “historicamente os metais preciosos têm uma correlação boa em termos de preservação de valor”.

Frisa que as ações de defesa por parte dos investidores dependem do que acontecer à política monetária. A situação atual, com juros negativos e a inflação a subir, beneficia o crescimento nominal e neste cenário é interessante avançar com investimentos, sendo favorecidas as ações mais cíclicas. Mas, se pelo contrário, as taxas de juro subirem, o impacto sobre o investimento é negativo e os principais veículos de preservação são o imobiliário e as empresas menos cíclicas. E conclui que “se a inflação for elevada é de evitar ter grande parte de valores em cash ou com produtos semelhantes já que se haverá uma perda do poder de compra”. E mais. Diz que em caso de taxa de juro real elevada, uma das melhores formas de preservação do capital é aplicar nos esquecidos depósitos a prazo, já que estas taxas irão acompanhar a inflação e, dessa forma deixar o dinheiro no banco a render.

Mas há outras soluções para inflação elevadas e taxas de juro reais elevadas e a mais recente é o PEPP ou Pan-European Personal Pension Product que está previsto ser lançado em 22 de março próximo. Trata-se de uma opção de poupança para a reforma e não tem nada de semelhante com os conhecidos PPR nacionais. É um produto com a forma de seguro de vida, fundo de investimento ou fundo de pensões e pode ser adquirido em qualquer país da União Europeia. E esta é uma forma de superar a erosão de uma inflação elevada mas também precaver um complemento de reforma. Dados de Bruxelas revelam que dentro de 20 anos a reforma será pouco mais de metade do último salário. Este produto para além da característica da portabilidade tem várias opções em termos de risco, sendo que a básica tem proteção de capital.

 

Soluções eficientes mas com risco

A vertente imobiliária é uma tentação. Investir para arrendar tanto na área da habitação, como em escritórios ou armazéns é a primeira solução para o investidor comum. Mas vejamos o que pensam os profissionais sobre esta matéria. Pedro Rutkowski, CEO da Worx Real Estate Consultants, afirma que “o setor de escritórios deverá retomar o seu dinamismo neste novo ano, nomeadamente com a crescente procura por parte de empresas tecnológicas e multinacionais”. E para o médio prazo, o mesmo analista antecipa que se irá manter “a preferência por espaços em arrendamento tradicional sem um impacto proporcional à adoção de regimes de trabalho híbrido dado o aumento de áreas sociais e colaborativas”. Adianta que antecipa uma “tendência moderada de subida da taxa de desocupação”, enquanto “as rendas médias e prime devem-se manter estabilizadas com tendência para negociações de incentivos em prol dos ocupantes”. Antecipa que irá continuar a procura por ativos ligados à saúde, habitação e logística. Por outro lado avisa o gestor que “a escalada dos custos de construção traz um grau de imprevisibilidade da margem de lucro aos promotores/investidores”.

Do lado residencial a procura é claramente superior à oferta. Os grandes grupos promotores têm feito grandes compras de NPL (non performing loans) às instituições financeiras, enquanto o mercado da reabilitação continua ativo. De qualquer forma para o pequeno aforrador a aposta no imobiliário para arrendamento pode ser um problema tendo em conta que o custo de aquisição, reabilitação, impostos e outras obrigações pode não compensar para rendas que se situem na média nacional. Os promotores têm sugerido a necessidade de rendas em torno dos 500 euros para T2 nas cidades de Lisboa e Porto, nível com forte procura e com escassa ou nenhuma oferta.

Para os promotores este nível de renda pode não ser viável. Por outro lado, existe o risco de o nível de construção de habitação nova superar rapidamente as necessidades da procura e os preços regredirem. Um relatório recente publicado no site Idealista indica que a média do preço das casas em Portugal, em 2021, subiu 8,3%. Sendo que os preços continuam a subir em Lisboa, com mais 6,7% e no Porto com mais 2,2% e estes são os locais onde o preço por m2 estava mais elevado. No entanto, outras cidades registaram subidas expressivas em 2021, caso de Aveiro com mais 22,8%, Setúbal com mais 17,1% e Braga com mais 13,2%.

Neste comparativo 2021/2020 o Idealista conclui que no ranking dos distritos mais caro está Lisboa com o preço na habitação a situar-se nos 3.725 euros/m2 e Faro a atingir os 2602 euros/m2. Em Lisboa centro o preço médio atingiu os 4992 euros/m2 e no Porto centro os 3.014 euros/m2. O imobiliário residencial e de escritórios é uma oportunidade mas tem riscos, nomeadamente o ambiente regulatório para o financiamento de famílias e empresas e a evolução da economia que irá potenciar mais procura e poder de compra, ou o inverso.

Uma outra solução de risco passa pelo ativos digitais. O gestor de patrimónios Nuno Serafim, CEO da 2iQ Research, acredita que há setores que vão gerar liquidez e que são essencialmente de base tecnológica. Diz que esse facto irá acabar por definir o nosso futuro e consolidar o aparecimento de novas classes de ativos, caso das tokens. Mas, a recente opção da FED cuja atas indicam a possibilidade de uma subida antecipada das taxas de juro e a redução do balanço da FED colocou as criptomoedas em “bear market”. No entanto, a análise feita pela Bloomberg para 2022 para as tokens e para as criptomoedas como a bitcoin e a ethereum continuarão a fazer bons resultados e o target para a bitcoin é o nível dos 100 mil US dólares. Diferente é a análise para criptoativos menos conhecidos como a Solana, a Cardano ou a Avalanche. Há uma cripto que se destaca, a Polkadot, pelo facto de permitir a troca de dados através de várias blochchains.

Uma outra possibilidade de risco para quem se quer proteger da inflação é aproveitar o “rally” das ações que ainda vem de 2021. E que tudo indica que irá continuar se as políticas monetárias dos EUA e na Europa não sofrerem ruturas abrutas, ou seja, a política não passar a ser marcadamente restritiva. Refere Nuno Serafim, CFO da 2iQ Research, que há grandes alterações sobre os setores de investimento para o futuro, com a pandemia a acelerar o processo de digitalização das economias e a obrigar a adotarem políticas mais sustentáveis. Nuno Serafim acredita que perante um tapering (redução de compra de ativos) mais agressivo nos EUA, a par de algum abrandamento económico, embora a crescer acima do potencial, “a inflação deverá desvanecer-se na segunda metade de 2022”. Entretanto “poderá acontecer uma correção do mercado pois os índices estão em máximos, com níveis de liquidez muito elevados, mantêm-se grandes incentivos fiscais e os múltiplos das empresas estão muito altos. É perfeitamente normal que aconteça uma correção dos índices da ordem dos 10% a 20%”. Acrescenta que neste cenário de correção do equity em 2022 “tipicamente os investidores optariam pelo mercado obrigacionista, mas este é desinteressante com os “treasuries” a 10 anos nos EUA a situarem-se em 1,4%, o que não paga a inflação pois a taxa de juro real é negativa”. A política monetária e fiscal é desincentivadora para os mercados obrigacionistas, acrescenta.

Em termos macro não existe nenhum problema estrutural como em 2008, nem uma pandemia como a de 2020. Sendo que o atual momento continuará a condicionar a cadeia de valor e a logística e pode ter um impacto que não será prolongado, na taxa de inflação. Acrescenta o gestor que “migrar o investimento para obrigações não é uma alternativa duradoura”. No outlook da Schroders do início de janeiro sobre o mercado obrigacionista, Paul Grainger e James Bilson acreditam em mercados emergentes com aplicações em moedas locais durante este 1º trimestre. De qualquer forma a análise pode sofrer alterações à medida que os bancos centrais se forem apercebendo até que que ponto o nível de inflação persiste em manter-se elevado.

Fonte: jornaleconomico.sapo.pt